Gen Max de Almeida Durães,
acadêmico do 9º Período de Direito no segundo semestre de 2013 da Universidade
Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
Nuria Lacerda Sandes, acadêmica do 7º Período de Direito no primeiro
segundo de 2013 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
RESUMO: Com
o advindo da obrigatoriedade do empregador ter em seu quadro quota mínima
estabelecida na CLT para empregados na condição de jovens aprendizes, o
empregador passou a ter uma dúvida observando que algumas funções não são aptas
para empregados que preenchem os requisitos de jovem aprendiz. Desta maneira, o
presente artigo visa estabelecer um posicionamento em relação a possibilidade aplicabilidade
de quotas de jovem aprendiz especificamente para as funções de motorista e
cobrador.
PALAVRAS-CHAVE:
jovem aprendiz, menor aprendiz, funções inaptas, quotas, direito do trabalho,
cobrador, motorista.
SUMÁRIO:
Introdução.
1.Da quota de jovem aprendiz para a função de cobrador. 2. Da quota de jovem aprendiz
para a função de motoristas. Considerações Finais. Referências.
A Constituição Federal
de 1988 (art. 7º, XXXIII) proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao
menor de 18 anos e de qualquer trabalho a menor de 16 anos, salvo se aprendiz a
partir de 14 anos. A amplitude desse comando constitucional ressalta que não
mais perpetuam dispositivos que validem contratação de trabalhadores menores de
18 anos que seja restritiva de direitos trabalhistas. Com exceção a três
situações jurídicas, a saber: o contrato de estágio, o trabalho educativo e o
contrato de aprendizagem.
Nesse sentido, o
contrato de aprendizagem, evidenciado pela própria Carta Magna e disciplinado
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 428 a 433, deve
ser entendido como contrato de trabalho especial com todos os direitos típicos
trabalhistas, ainda que com algumas restrições e especificidades. Conforme a
lei, o pacto é firmado por escrito, pelo qual o empregador se obriga a garantir
ao jovem de 14 a 24 anos formação técnico-profissional metódica conciliável com
seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O jovem aprendiz deve ser
obrigatoriamente contratado pelas empresas, perpetuando seu contrato de
aprendizagem com duração não superior a dois anos.
A obrigatoriedade é um dos alicerces do contrato
de aprendizagem, visto que absorve a força de trabalho existente nas
instituições de formação, tendo o aprendizado a correspondente aplicação
prática. As quotas de jovem aprendiz são estabelecidas pela CLT em seu art.
429, que rege:
“Art.
429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e
matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de
aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no
máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções
demandem formação profissional.”
O dispositivo referido
tornou uma obrigação legal o emprego de quotas para as funções aptas de acordo
com o regramento jurídico em geral, observando normas que dispõe acerca de
regramentos trabalhistas, incluindo a própria CLT e outras convenções
trabalhistas.
No
âmbito deste tema, várias sociedades empresárias de transporte coletivo público
ingressaram com mandados de segurança de caráter preventivo para evitar sanções
do Estado e levantar a discussão se as funções de motorista e cobrador são
computáveis nas quotas de jovem aprendiz.
Este
estudo faz-se relevante a fim de estabelecer um posicionamento jurídico do
acerca das quotas de jovem aprendiz e seu computo em relação às funções de
motorista e cobrador nas empresas de transporte coletivo.
1. DA QUOTA DE JOVEM
APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE COBRADOR
Os cobradores de ônibus são responsáveis pela organização e fiscalização das operações dos ônibus e outros veículos de transporte coletivo como, condições de operação dos veículos, cumprimento dos horários e atendimento aos usuários. No que tange a esta função, a principal linha de defesa para a exclusão da categoria de cobrador do computo das quotas de jovem aprendiz é a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo decreto nº 3597 de 2000, que proíbe o trabalho infantil, menor de 18 anos, para “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança”. Tal convenção também atribui à legislação local a definição dos trabalhos que compreendidos como susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Atendendo ao disposto
supramencionado o legislador com o Decreto 6.481/08 regulamentou as situações
em que o trabalho atende as qualidades que Convenção nº 182 da OIT considera
como degradantes ao menor, com destaque para os itens 62 e 72, que citam os
trabalhos que envolvam transporte de pessoas ou animais de pequeno porte e o
manuseio de valores, respectivamente. Esse é o entendimento da 1ª Turma do
TRT-MG, em acórdão que decide que não entram na cota de contratação de
aprendizes as funções de motorista e cobrador:
EMENTA: CONTRATO
DE APRENDIZAGEM - NÚMERO MÍNIMO DE APRENDIZES - BASE DE CÁLCULO - MOTORISTA E
COBRADOR DE ÔNIBUS URBANO. Embora as funções de motorista de ônibus urbano e de
cobrador encontrem-se previstas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO),
elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, devem ser ambas excluídas do
número total de empregados para efeito de cálculo da cota de aprendizes que o
empregador deverá admitir, por se tratar de atividades que exigem conhecimento
técnico específico, manuseio de valores, além de oferecer acentuado risco em
razão de múltiplos e conhecidos fatores que envolvem o trânsito nos centros
urbanos. (TRT/3ª Região, 14032009-138-03-00-7 RO, Rel.Des.Marcus Moura Ferreira,
1ª Turma, 16/07/2010)
Porém, tal linha
argumentação não foi suficiente para o convencimento de boa parte dos tribunais
uma vez que a própria CLT ressalta que o jovem aprendiz pode ser pessoa de até
24 anos de idade e tais dispositivos legais só compreendem pessoas de até 18
anos, deixando os jovens de até 24 anos em qualidade apta para preencher tais
quotas.
Infere-se também que o
Decreto 5.598/2005 é claro ao mencionar em seu art. 11, em seu parágrafo único
que caso a função seja inapta para jovens menores de 18 anos, deverão ser
contratados jovens de 18 a 24 anos como possibilita a lei. Ou seja, “[...] os
maiores de 18 e até 24 anos podem ser contratados como aprendizes ou empregados
comuns, não havendo qualquer restrição quanto ao tipo de trabalho [...]”
(BASILE, 2011, p.76).
O art. 10 em seu
parágrafo 2º também se mostra em linha de pensamento oposta a exclusão do cargo
de cobrador uma vez que tal dispositivo menciona, “Deverão ser incluídas na
base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional,
independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos”.
2. DA QUOTA DE JOVEM APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE MOTORISTA
Neste caso o art. 145 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) preza:
“Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir
veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou
de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:
I - ser maior de vinte e um anos;
II - estar habilitado:
a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano
na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria D; e
b) no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender
habilitar-se na categoria E;
III - não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima
ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses;
IV - ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento
de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do
CONTRAN.”(Grifo nosso)
Também
dispõe o já citado Decreto 5.598/2005 em seu
art. 10,com destaque para seu parágrafo primeiro que:
“Art. 10. Para
a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser
considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego.
§ 1o Ficam
da definição do caput deste artigo as, para o seu exercício, habilitação
profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam
caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos
do inciso
II e do parágrafo
único do art. 62 e do §
2o do
art. 224 da CLT.” (Grifo Nosso)
Em análise, o próprio CTB exige que para
a condução de veículos de transporte público de passageiros que o profissional
tenha que ser aprovado em curso especializado e curso de treinamento, o que
claramente é uma exigência técnica legal que exclui qualquer possibilidade de
tal função ser executada por mero aprendiz. Além disso, a exigência de 21 anos
fugir da prerrogativa legal para funções para menores de 18 anos, uma vez que a
exigência legal de idade é superior. Nesse aspecto, segue acórdão proferido
pela 9ª Turma do TRT/MG:
EMENTA:
MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO DE MOTORISTAS E COBRADORES NA BASE DE CÁLCULO
PARA DEFINIÇÃO DO NÚMERO DE A PRENDIZES A SEREM CONTRATADOS PELA EMPRESA –
IMPOSSIBILIDADE. Basta a leitura do artigo 145 do Código Nacional de Trânsito
para se concluir que a atividade de motorista de coletivos urbanos não pode ser
exercida pelo menor de 21 anos. Também o item 72 do Decreto 6.841/08, que
regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização
Internacional do Trabalho, e que trata da proibição das piores formas de trabalho
infantil e ação imediata para sua eliminação, impede que seja utilizada mão de
obra de menores em atividade de manuseio de valores. Daí se concluir que essas
atividades não podem ser incluídas na base de cálculo para definição do número
de aprendizes a serem contratados pela empresa. (TRT/3ª Região, acórdão
TRT-01154-2010-111-03-00- 4 RO, Rel.Juiz Conv.João Bosco Pinto Lara, 9ª Turma,
18/02/2011)
Ressalta-se ainda que:
“O
fato de o Código de Trânsito,
em seu artigo 145, autorizar a concessão de habilitação
nas categorias D e E apenas
aos maiores de 21 anos, que tenham sido aprovados
em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em
situação de risco, nos termos da normatização do
CONTRAN, em nada obsta a observância do percentual mínimo previsto
no artigo 429 da CLT, haja vista que a lei não determina que o aprendiz seja
enquadrado em função específica, podendo a empresa inseri-lo em quaisquer
outras atividades existentes em seu quadro, quer sejam administrativas, de controle ou de manutenção
dos veículos”(RO-0111700-65.2010.5.23.0001).
Além
disso, salienta-se um julgado mais recente, em que a 4ª Turma do Tribunal
Superior do Trabalho perpetuou decisão que ordenou ao Sindicato das Empresas de
Transportes Rodoviários do Rio Grande do Sul que compreenda motoristas e
cobradores na base de cálculo da cota de aprendizes, disposta no Decreto
5.598/05. Quando recorreu ao TST, tal sindicato justificava que a decisão do TRT
da 4ª Região (RS) não tratou da perspectiva da contratação de aprendizes em razão
das normas do CTB ou dos acordos sobre vedação de trabalhos infantis em
determinadas condições, bem como afirmava a entidade que, como essas atividades
não eram próprias para aprendizagem, os respectivos postos de trabalho não
deveriam ser abrangidos no cálculo do número de aprendizes a ser contratado. Em
decisão recente a Ministra Maria de Assis Calsing se posicionou sobre o tema no
julgado que segue:
RECURSO
DE REVISTA. EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO. MOTORISTAS E COBRADORES. CÁLCULO
DA COTA DE APRENDIZAGEM. O valor social do trabalho e da livre inciativa
encontram-se entre os princípios fundamentais da Constituição da República
(art. 1.º, IV), a qual também estabelece como dever da sociedade e do Estado
assegurar ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (art. 227).
Frente a tais valores, qualquer medida que acarrete prejuízo quanto à formação
de profissionais deve ser vista com cautela. O art. 429 da CLT não estabelece
cota em razão das modalidades de funções existentes no estabelecimento, mas pelo
número de trabalhadores, evidenciando que a discussão em apreço não se
restringe à atuação de aprendizes nas funções de motorista e cobrador de
transporte coletivo, conforme o enfoque dado pelo Autor. Decorre de tal
entendimento, que as empresas do setor podem contratar aprendizes para
frequentar curso de formação profissional relativas a outras atividades da
firma. Ademais, não há amparo legal a justificar a exclusão das funções de
motorista e cobrador para efeito do cálculo do percentual mínimo de contratação
de aprendizes. Recurso de Revista conhecido e não provido. (TST - RR -
281-73.2012.5.04.0009, 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, Publicação
em 23.10.2013).
Através de ponderações acerca dos
princípios constitucionais que envolvem o tema a Ministra se posicionou de
forma favorável as aplicação das quotas, e que estas, deveriam ser exercidas em
funções diferentes, utilizando-se de uma espécie de compensação para as funções
inaptas. Argumentou que o texto legislativo se refere a quotas em relação a
totalidade de trabalhadores empregados pela empresa, e que, logo, deveriam ser
compensadas as funções inaptas com um maior número de aprendizes nas funções
administrativas, minoritárias em empresas de transporte.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Observados os posicionamentos acerca do
tema, assim como interpretando a norma vigente, infere-se que as quotas para
função de cobrador são perfeitamente possíveis, uma vez a lei é clara quanto à
possibilidade de ter aprendizes maiores de 18 anos, o que retiraria a possibilidade
de violar a Convenção nº182 da OIT.
Em relação a questão dos motoristas, a
análise é complexa e envolve ponderação de princípios, porém, é claro o
posicionamento de tanto o poder judiciário, quanto as empresas de transporte no
sentido que a função de motorista não é apta a ser exercida por empregado em
condição de jovem aprendiz, devido a sua exigência técnica, seria impensável
achar no mercado de trabalho jovem que atendesse tanto as exigências da CLT
como as do CTB. No aspecto da compensação, o Estado não deve interferir no
funcionamento das empresas a ponto de obrigá-las a criarem postos de trabalho
exclusivamente para atender quotas de funções inaptas a serem exercidas por
jovem aprendiz. A argumentação do art. 429 da CLT dispõe sobre uma totalidade
de trabalhadores, não sobre modalidades de emprego, contanto, a segunda parte
do próprio art. 429 é clara ao distinguir funções, bem como se o objetivo do
legislador estivesse inclinado para compensação, tal imperativo estaria
disposto no texto legal e não a mercê de interpretação extensiva do texto da
lei. O Estado já cumpre com a determinação constitucional pelo mero fato de
estabelecer as quotas, porém este deve se limitar no tanto quanto puder a
interferir nas atividades privadas.
REFERÊNCIAS
BASILE,
César Reinaldo Offa. Direito do trabalho
: duração do trabalho a direito de greve. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 2011.
BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia
da pesquisa jurídica. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
BARROS,
Alice Monteiro de. Curso de Direito do
Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.
BRASIL.
Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503
de 23 de setembro de 1997. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm,
BRASIL.
Consolidação das Leis do Trabalho,
Decreto-lei nº 5452 de 1° de maio de 1943. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm,
ac
DELGADO,
Maurício Godinho. Curso de Direito do
Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.
Funções de
cobrador e motorista de transporte coletivo não podem ser exercidas por menor
aprendiz.
In : http://trt-3.jusbrasil.com.br/noticias/2629706/funcoes-de-cobrador-e-motorista-de-transporte-coletivo-nao-podem-ser-exercidas-por-menor-aprendiz, acesso em
17/12/2013.
Motoristas e
cobradores devem entrar no cálculo da cota de aprendizes In: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/6091141,
acesso em 17/12/2013
NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. A base de cálculo da
cota de aprendizagem. In: http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=780:a-base-de-calculo-da-cota-de-aprendizagem&catid=163:decisoes-comentadas&Itemid=323, acesso em 15/12/2013.
NASCIMENTO,
Amauri Mascaro. Curso de Direito do
Trabalho : história e
teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do
trabalho. 26.
Ed. São Paulo : Saraiva, 2011.
Tribunal Superior
do Trabalho.
In: http://
www.tst.jus.br, acesso em 16/12/2013.
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