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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

APLICABILIDADE DAS QUOTAS DE JOVEM APRENDIZ PARA MOTORISTAS E COBRADORES

Gen Max de Almeida Durães, acadêmico do 9º Período de Direito no segundo semestre de 2013 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
        Nuria Lacerda Sandes,  acadêmica do 7º Período de Direito no primeiro segundo de 2013 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.


RESUMO: Com o advindo da obrigatoriedade do empregador ter em seu quadro quota mínima estabelecida na CLT para empregados na condição de jovens aprendizes, o empregador passou a ter uma dúvida observando que algumas funções não são aptas para empregados que preenchem os requisitos de jovem aprendiz. Desta maneira, o presente artigo visa estabelecer um posicionamento em relação a possibilidade aplicabilidade de quotas de jovem aprendiz especificamente para as funções de motorista e cobrador.

PALAVRAS-CHAVE: jovem aprendiz, menor aprendiz, funções inaptas, quotas, direito do trabalho, cobrador, motorista.

SUMÁRIO:
Introdução. 1.Da quota de jovem aprendiz para a função de cobrador. 2. Da quota de jovem aprendiz para a função de motoristas.  Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXXIII) proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de qualquer trabalho a menor de 16 anos, salvo se aprendiz a partir de 14 anos. A amplitude desse comando constitucional ressalta que não mais perpetuam dispositivos que validem contratação de trabalhadores menores de 18 anos que seja restritiva de direitos trabalhistas. Com exceção a três situações jurídicas, a saber: o contrato de estágio, o trabalho educativo e o contrato de aprendizagem.
Nesse sentido, o contrato de aprendizagem, evidenciado pela própria Carta Magna e disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 428 a 433, deve ser entendido como contrato de trabalho especial com todos os direitos típicos trabalhistas, ainda que com algumas restrições e especificidades. Conforme a lei, o pacto é firmado por escrito, pelo qual o empregador se obriga a garantir ao jovem de 14 a 24 anos formação técnico-profissional metódica conciliável com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O jovem aprendiz deve ser obrigatoriamente contratado pelas empresas, perpetuando seu contrato de aprendizagem com duração não superior a dois anos.
 A obrigatoriedade é um dos alicerces do contrato de aprendizagem, visto que absorve a força de trabalho existente nas instituições de formação, tendo o aprendizado a correspondente aplicação prática. As quotas de jovem aprendiz são estabelecidas pela CLT em seu art. 429, que rege:
“Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”
O dispositivo referido tornou uma obrigação legal o emprego de quotas para as funções aptas de acordo com o regramento jurídico em geral, observando normas que dispõe acerca de regramentos trabalhistas, incluindo a própria CLT e outras convenções trabalhistas.
No âmbito deste tema, várias sociedades empresárias de transporte coletivo público ingressaram com mandados de segurança de caráter preventivo para evitar sanções do Estado e levantar a discussão se as funções de motorista e cobrador são computáveis nas quotas de jovem aprendiz.
Este estudo faz-se relevante a fim de estabelecer um posicionamento jurídico do acerca das quotas de jovem aprendiz e seu computo em relação às funções de motorista e cobrador nas empresas de transporte coletivo.

1. DA QUOTA DE JOVEM APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE COBRADOR
     
 Os cobradores de ônibus são responsáveis pela organização e fiscalização das operações dos ônibus e outros veículos de transporte coletivo como, condições de operação dos veículos, cumprimento dos horários e atendimento aos usuários. No que tange a esta função, a principal linha de defesa para a exclusão da categoria de cobrador do computo das quotas de jovem aprendiz é a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo decreto nº 3597 de 2000, que proíbe o trabalho infantil, menor de 18 anos, para “trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança”. Tal convenção também atribui à legislação local a definição dos trabalhos que compreendidos como susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Atendendo ao disposto supramencionado o legislador com o Decreto 6.481/08 regulamentou as situações em que o trabalho atende as qualidades que Convenção nº 182 da OIT considera como degradantes ao menor, com destaque para os itens 62 e 72, que citam os trabalhos que envolvam transporte de pessoas ou animais de pequeno porte e o manuseio de valores, respectivamente. Esse é o entendimento da 1ª Turma do TRT-MG, em acórdão que decide que não entram na cota de contratação de aprendizes as funções de motorista e cobrador:

EMENTA: CONTRATO DE APRENDIZAGEM - NÚMERO MÍNIMO DE APRENDIZES - BASE DE CÁLCULO - MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS URBANO. Embora as funções de motorista de ônibus urbano e de cobrador encontrem-se previstas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, devem ser ambas excluídas do número total de empregados para efeito de cálculo da cota de aprendizes que o empregador deverá admitir, por se tratar de atividades que exigem conhecimento técnico específico, manuseio de valores, além de oferecer acentuado risco em razão de múltiplos e conhecidos fatores que envolvem o trânsito nos centros urbanos. (TRT/3ª Região, 14032009-138-03-00-7 RO, Rel.Des.Marcus Moura Ferreira, 1ª Turma, 16/07/2010)

                    Porém, tal linha argumentação não foi suficiente para o convencimento de boa parte dos tribunais uma vez que a própria CLT ressalta que o jovem aprendiz pode ser pessoa de até 24 anos de idade e tais dispositivos legais só compreendem pessoas de até 18 anos, deixando os jovens de até 24 anos em qualidade apta para preencher tais quotas.
Infere-se também que o Decreto 5.598/2005 é claro ao mencionar em seu art. 11, em seu parágrafo único que caso a função seja inapta para jovens menores de 18 anos, deverão ser contratados jovens de 18 a 24 anos como possibilita a lei. Ou seja, “[...] os maiores de 18 e até 24 anos podem ser contratados como aprendizes ou empregados comuns, não havendo qualquer restrição quanto ao tipo de trabalho [...]” (BASILE, 2011, p.76).
O art. 10 em seu parágrafo 2º também se mostra em linha de pensamento oposta a exclusão do cargo de cobrador uma vez que tal dispositivo menciona, “Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos”.  

2.  DA QUOTA DE JOVEM APRENDIZ PARA A FUNÇÃO DE MOTORISTA

Neste caso o art. 145 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) preza:
“Art. 145. Para habilitar-se nas categorias D e E ou para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:
I - ser maior de vinte e um anos;
II - estar habilitado:
a) no mínimo há dois anos na categoria B, ou no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria D; e
b) no mínimo há um ano na categoria C, quando pretender habilitar-se na categoria E;
 III - não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses;
IV - ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN.”(Grifo nosso)

Também dispõe o já citado Decreto 5.598/2005 em seu art. 10,com destaque para seu parágrafo primeiro que:
“Art. 10.  Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
§ 1o  Ficam da definição do caput deste artigo as, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 62 e do § 2o do art. 224 da CLT.” (Grifo Nosso)

Em análise, o próprio CTB exige que para a condução de veículos de transporte público de passageiros que o profissional tenha que ser aprovado em curso especializado e curso de treinamento, o que claramente é uma exigência técnica legal que exclui qualquer possibilidade de tal função ser executada por mero aprendiz. Além disso, a exigência de 21 anos fugir da prerrogativa legal para funções para menores de 18 anos, uma vez que a exigência legal de idade é superior. Nesse aspecto, segue acórdão proferido pela 9ª Turma do TRT/MG:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – INCLUSÃO DE MOTORISTAS E COBRADORES NA BASE DE CÁLCULO PARA DEFINIÇÃO DO NÚMERO DE A PRENDIZES A SEREM CONTRATADOS PELA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE. Basta a leitura do artigo 145 do Código Nacional de Trânsito para se concluir que a atividade de motorista de coletivos urbanos não pode ser exercida pelo menor de 21 anos. Também o item 72 do Decreto 6.841/08, que regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, e que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, impede que seja utilizada mão de obra de menores em atividade de manuseio de valores. Daí se concluir que essas atividades não podem ser incluídas na base de cálculo para definição do número de aprendizes a serem contratados pela empresa. (TRT/3ª Região, acórdão TRT-01154-2010-111-03-00- 4 RO, Rel.Juiz Conv.João Bosco Pinto Lara, 9ª Turma, 18/02/2011)

Ressalta-se ainda que:
“O fato  de  o Código de Trânsito, em seu artigo 145, autorizar a concessão de  habilitação nas categorias D  e  E apenas aos maiores de 21 anos, que tenham sido aprovados em curso especializado e em curso  de  treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN, em nada obsta a observância do percentual mínimo previsto no artigo 429 da CLT, haja vista que a lei não determina que o aprendiz seja enquadrado em função específica, podendo a empresa inseri-lo em quaisquer outras atividades existentes em seu quadro, quer sejam administrativas, de controle ou de manutenção dos veículos”(RO-0111700-65.2010.5.23.0001).
Além disso, salienta-se um julgado mais recente, em que a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho perpetuou decisão que ordenou ao Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Rio Grande do Sul que compreenda motoristas e cobradores na base de cálculo da cota de aprendizes, disposta no Decreto 5.598/05. Quando recorreu ao TST, tal sindicato justificava que a decisão do TRT da 4ª Região (RS) não tratou da perspectiva da contratação de aprendizes em razão das normas do CTB ou dos acordos sobre vedação de trabalhos infantis em determinadas condições, bem como afirmava a entidade que, como essas atividades não eram próprias para aprendizagem, os respectivos postos de trabalho não deveriam ser abrangidos no cálculo do número de aprendizes a ser contratado. Em decisão recente a Ministra Maria de Assis Calsing se posicionou sobre o tema no julgado que segue:

RECURSO DE REVISTA. EMPRESAS DE TRANSPORTE COLETIVO. MOTORISTAS E COBRADORES. CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. O valor social do trabalho e da livre inciativa encontram-se entre os princípios fundamentais da Constituição da República (art. 1.º, IV), a qual também estabelece como dever da sociedade e do Estado assegurar ao adolescente e ao jovem o direito à profissionalização (art. 227). Frente a tais valores, qualquer medida que acarrete prejuízo quanto à formação de profissionais deve ser vista com cautela. O art. 429 da CLT não estabelece cota em razão das modalidades de funções existentes no estabelecimento, mas pelo número de trabalhadores, evidenciando que a discussão em apreço não se restringe à atuação de aprendizes nas funções de motorista e cobrador de transporte coletivo, conforme o enfoque dado pelo Autor. Decorre de tal entendimento, que as empresas do setor podem contratar aprendizes para frequentar curso de formação profissional relativas a outras atividades da firma. Ademais, não há amparo legal a justificar a exclusão das funções de motorista e cobrador para efeito do cálculo do percentual mínimo de contratação de aprendizes. Recurso de Revista conhecido e não provido. (TST - RR - 281-73.2012.5.04.0009, 4ª Turma, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, Publicação em 23.10.2013).

Através de ponderações acerca dos princípios constitucionais que envolvem o tema a Ministra se posicionou de forma favorável as aplicação das quotas, e que estas, deveriam ser exercidas em funções diferentes, utilizando-se de uma espécie de compensação para as funções inaptas. Argumentou que o texto legislativo se refere a quotas em relação a totalidade de trabalhadores empregados pela empresa, e que, logo, deveriam ser compensadas as funções inaptas com um maior número de aprendizes nas funções administrativas, minoritárias em empresas de transporte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observados os posicionamentos acerca do tema, assim como interpretando a norma vigente, infere-se que as quotas para função de cobrador são perfeitamente possíveis, uma vez a lei é clara quanto à possibilidade de ter aprendizes maiores de 18 anos, o que retiraria a possibilidade de violar a Convenção nº182 da OIT.
Em relação a questão dos motoristas, a análise é complexa e envolve ponderação de princípios, porém, é claro o posicionamento de tanto o poder judiciário, quanto as empresas de transporte no sentido que a função de motorista não é apta a ser exercida por empregado em condição de jovem aprendiz, devido a sua exigência técnica, seria impensável achar no mercado de trabalho jovem que atendesse tanto as exigências da CLT como as do CTB. No aspecto da compensação, o Estado não deve interferir no funcionamento das empresas a ponto de obrigá-las a criarem postos de trabalho exclusivamente para atender quotas de funções inaptas a serem exercidas por jovem aprendiz. A argumentação do art. 429 da CLT dispõe sobre uma totalidade de trabalhadores, não sobre modalidades de emprego, contanto, a segunda parte do próprio art. 429 é clara ao distinguir funções, bem como se o objetivo do legislador estivesse inclinado para compensação, tal imperativo estaria disposto no texto legal e não a mercê de interpretação extensiva do texto da lei. O Estado já cumpre com a determinação constitucional pelo mero fato de estabelecer as quotas, porém este deve se limitar no tanto quanto puder a interferir nas atividades privadas.

REFERÊNCIAS
BASILE, César Reinaldo Offa. Direito do trabalho : duração do trabalho a direito de greve.  3. ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia da pesquisa jurídica. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.

BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-lei nº 5452 de 1° de maio de 1943.  In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm, ac

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.

Funções de cobrador e motorista de transporte coletivo não podem ser exercidas por menor aprendiz. In : http://trt-3.jusbrasil.com.br/noticias/2629706/funcoes-de-cobrador-e-motorista-de-transporte-coletivo-nao-podem-ser-exercidas-por-menor-aprendiz, acesso em 17/12/2013.

Motoristas e cobradores devem entrar no cálculo da cota de aprendizes In: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/6091141, acesso em 17/12/2013

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A base de cálculo da cota de aprendizagem. In: http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=780:a-base-de-calculo-da-cota-de-aprendizagem&catid=163:decisoes-comentadas&Itemid=323, acesso em 15/12/2013.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho. 26. Ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

Tribunal Superior do Trabalho. In: http:// www.tst.jus.br, acesso em 16/12/2013.

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